HerbalGram, nº 84:44-55, 2009.
Por Kevin Spelman, PhD
Kevin Spelman, PhD, is currently a Marie Curie European Union Research Fellow at the Le Museum national d’Histoire naturelle in Paris, France. He is currently collaborating with several US and Parisian institutions investigating medicinal plants for anti-plasmodial activity.
A busca por substâncias ativas em plantas como entidades químicas definidas, as chamadas "balas de prata" que caracterizam os medicamentos alopáticos, tem um pouco mais de dois séculos. Este método de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, que preconiza a caracterização química, resultou em importante, mas, às vezes, opções temporárias de tratamento. Remédios com multi-componentes ativos são geralmente negligenciados pelos pesquisadores em favor dos chamados "balas de prata", devido à dificuldade de compreender a sua atividade e outros fatores, tendências dentro das instituições médicas. Entretanto, algumas pesquisas indicam que misturas quimicamente complexas podem ser mais eficazes e seguras do que substâncias isoladas, as quais também podem ser menos susceptíveis de provocar resistência ao medicamento. Com a multirresistência se tornando o principal obstáculo para a cura da malária e de proteção contra a infecção, torna-se fundamental compreender a história da química analítica uma vez que essa metodologia tem impactado a visão moderna sobre drogas antimaláricas e reavaliar o potencial da utilização de produtos com múltiplos bioativos, tais como os fitoterápicos.
A ascensão do método "silver bullet" na farmacologia
A química estava amadurecendo no século 19, cujo campo da química analítica, com a sua capacidade de isolar e purificar os princípios ativos de plantas, foi fundamental na pesquisa e desenvolvimento de fármacos. Alcalóides, grupo fitoquímico com diversas substâncias, foram algumas das primeiras e mais importantes substancias isoladas das plantas. Os registros históricos sugerem que Charles Derosne foi o primeiro a extrair os alcalóides das plantas cuja extração resultou numa mistura de dois alcalóides do ópio (Papaver somniferum) em 1803. Durante o mesmo período, Friedrich Wilhelm Adam Sertürner foi também responsável pelo isolamento e purificação de constituintes do ópio e em 1817 conseguiu isolar a morfina. Nos cinco anos seguintes, Pierre Joseph Pelletier e Joseph Bienaimé Caventou, dois químico-farmacêuticos franceses da École de Pharmacie de Paris, isolaram uma série de compostos ativos a partir de plantas. Um dos alcalóides, o quinino, foi isolado a partir da árvore cinchona Sul-Americana (Cinchona spp., Rubiaceae) e se tornaria um medicamento antimalárico que mudaria o panorama político e econômico da África e de outras áreas tropicais.
Igualmente durante os anos de 1800, François Magendie, conhecido como o pai da farmacologia experimental e um famoso professor de fisiologia francês Claude Bernard, começou a fazer experimentos com venenos de flechas de indígenas Javaneses e, eventualmente, descobriu que o componente ativo era a estriquinina. Posteriormente, ambos demonstraram que emetina era a principal substância ativa da ipeca, embora não tivessem sido capazes de isolar uma substância pura. Mais tarde, foi demonstrado que a sua emetina era uma mistura de pelo menos três alcalóides. Magendie tornou a farmacologia reducionista ao promover a utilização de princípios isolados de plantas. Em 1821, ele publicou um formulário de bolso direcionado para a prática médica intitulado (traduzido do francês) "Formulário para a preparação e uso de vários medicamentos novos, como vômica, morfina, ácido cianídrico, veratrina, estriquinina, a alcalóides da quina, emetina, iodo. Este trabalho foi essencialmente um guia para a utilização alcalóides isolados na clínica médica. As balas de prata da farmacologia moderna tinham chegado.
Meio século depois, o médico Thomas Maclagan utilizou com sucesso um metabólito da salicina, o ácido salicílico (a partir da casca do salgueiro [Salix spp., Salicaceae]), em um ensaio clínico em pacientes com reumatismo. Até o final do século 19, os ensaios clínicos, tais como o de Maclagan e os experimentos inovadores de fisiologia de Claude Bernard e Magendie, havia fertilizado as ciências médicas, a ponto da farmacologia, que até então tinha pouca relevância para as ciências médicas, alcançar o patamar de uma disciplina importante dentre as disciplinas médicas. Além disso, Oswald Schmiedeberg e seus alunos na Universidade de Estrasburgo previram muitos dos fundamentos intelectuais e experimentais da farmacologia, enquanto Friedrich Bayer e Charles Ferederic Gerhardt, através da produção de ácido acetilsalicílico, lançaram as bases do tratamento com medicamento sintético, bem como do que viria a ser a indústria farmacêutica tal como a conhecemos hoje.
Assim, um dos fundamentos da farmacologia passou a ser o isolamento e a purificação de constituintes presentes em plantas medicinais, as quais já eram usadas de várias formas não-purificada. Na verdade, cerca de metade da Farmacopéia Americana (USP) no início do século 20 ainda era composta de produtos "impuros", ou seja, medicamentos constituídos da associação de varias plantas. Vários estudos do século 19 e início do século 20 publicados em periódicos médicos são de estudos de casos documentados, justificando a eficácia das plantas medicinais na sua forma bruta.
Os primeiros esforços no desenvolvimento de agentes farmacológicos foram baseados em observações dos resultados em sistemas vivos expostos às substâncias em estudo. Esta estratégia forneceu medicamentos como a aspirina, no Ocidente, bem como ambas as farmacopéias ayurvédica e chinesa na Ásia. Conforme o entendimento da patogênese avançou, as estratégias de investigação foram também sendo alteradas para modelos in vivo em animais, seguido por modelos celulares in vitro, os quais produziram fármacos tais como a penicilina a partir de fungos e o fármaco anticâncer cisplatina. No entanto, com o aumento da tecnologia o foco maior dos estudos voltou-se para identificação de alvos farmacológicos para o controle/erradicação dos agentes etiológicos, onde atualmente a descoberta de fármacos está confinada à resposta obtida a partir da ativação/bloqueio dos receptores nas células. Os químicos medicinais insistem nesse modelo porque a alternativa de estudar múltiplas interações, até recentemente, não era tecnicamente possível, e foi considerado muito complexo.
Segurança e Eficácia de Fitoterápicos X Fármacos
As ciências médicas mudaram drasticamente seu foco ao longo dos últimos 200 anos, o qual passou do uso de misturas complexas moleculares para moléculas individuais, assim como também alterou o modelo de avaliação que passou para modelos de doenças de complexidade decrescente, ou seja, a partir da avaliação no organismo humano para o modelo in vitro. Williamson aponta que, quando extratos complexos foram simplificados para uma molécula, os cientistas não percebem que o modo de atividade específico e os efeitos colaterais adversos foram alterados, por vezes, produzindo mais efeitos adversos graves. E segundo Vickers não é explicitado pelas ciências médicas o que justificou a mudança para o isolamento e a purificação de componentes ativos de "drogas bruta".
Embora o isolamento e a purificação de constituintes ativos de plantas tenha proporcionado como vantagem mais controle sobre a dosagem, bem como a diminuição dos possíveis efeitos adversos induzidos por outros constituintes presentes nas drogas vegetais, as estatísticas mostram que as substâncias puras têm seus riscos próprios. A análise dos dados sugere que um único produto sintético ou puro apresenta de 1.000-10.000 vezes maior toxicidade que as preparações de plantas medicinais (embora esses dados nem sempre possam ser diretamente comparáveis). Um relatório de 2006 do Instituto de Medicina aponta para vários erros de medicação que causam injúrias em cerca de 1,5 milhões de americanos por ano. Considerando que os relatórios sobre eventos adversos têm suas estimativas reduzidas por um fator de 10, este é um dado considerável. A análise detalhada dos dados de 55 países, publicado no British Medical Journal, observou que os eventos adversos a partir de fitoterápicos representam "uma pequena fração dos eventos adversos relatados para os fármacos sintéticos", e os riscos do uso de fitoterápicos é "menor que o de fármacos sintéticos."
Além disso, há a alegação de que "reprodutibilidade terapêutica" dos medicamentos sintéticos é superior por causa da dosagem definida de uma substância química isolada, enquanto a variação na concentração das substâncias presente nos extratos oriundo das drogas vegetais não fornece tal reprodutibilidade. Por exemplo, o metabolismo de outras drogas e cafeína varia pelo menos 60 vezes em indivíduos saudáveis. Assim, se um indivíduo é exposto a um produto químico concentrado e tem um metabolismo lento, a toxicidade grave pode ocorrer. A probabilidade de isso acontecer com uma planta medicinal, que é inerentemente uma mistura diluída de várias substâncias químicas, é, relativamente falando, muito menos provável. Os críticos da fitoterapia argumentam que a baixa concentração de qualquer um fitoquímico em uma planta cria uma mistura de compostos demasiado diluída para ter qualquer efeito.
No entanto, Rajapakse et al demonstraram que baixas concentrações de vários ativos contribuem para atividade biológica da mistura como um todo, mesmo que um constituinte químico em particular não mostre atividade quando isolado. Avaliar essa atividade representa um dos desafios da pesquisa em fitoterapia, a qual leva a sugerir que alguns extratos são biologicamente inativos por causa da incapacidade de encontrar um único constituinte ativo após o isolamento de várias substancias desta planta. Isso também representa desafios para pesquisa quando equipara a atividade de uma planta com um único produto químico isolado presente nesta planta ou em parte da mesma.
Além disso, estudos realizados em 1928 demonstraram que a atividade farmacológica de associações de vários constituintes não deve ser inferida apenas pela atividade dos mesmos quando isolados já que geralmente estes mostram atividade diferentes quando em associação. Em outras palavras, a eficácia das plantas medicinais não pode ser reduzida a um único constituinte ativo. Assim, grande parte das pesquisas sobre plantas medicinais, que procura uma jóia farmacêutica em uma "selva" de constituintes químicos está incompleta, pois ignora a possibilidade dos efeitos aditivos positivos ou negativos presentes em misturas com vários constituintes químicos.
No entanto, a complexidade inerente à química de vários constituintes apresenta inconvenientes. Plantas medicinais ou mistura de vários constituintes representam um desafio para a compreensão dos mecanismos de ação. Esta é uma questão particularmente complexa que é demonstrada pelas tentativas de usar a teoria da informação para lidar com a complexidade da natureza multi-componente dos fitoterápicos. Esta questão ainda precisa ser resolvida e representará atrasos na investigação farmacológica das plantas medicinais. Mas, até os mecanismos de ação serem elucidados, estudos sobre os resultados clínicos são os que fornecem os dados mais significativos.
A investigação farmacológica em si também terá de sair de suas metodologias de estudo em curso para entender completamente a atividade das plantas medicinais. A incapacidade da ciência contemporânea em compreender sistemas compostos de diversos elementos que se envolvem em diversas interações limitou o método farmacológico, bem como muitas outras áreas da ciência. Novas abordagens, como a teoria da complexidade e da teoria de sistemas de informação podem ser modelos que fornecem uma aproximação mais completa dos processos naturais. Além disso, os métodos de estudos em biologia e em farmacologia oferecem uma visão do processo fisiológico que fica próxima das interações celulares que ocorrem no organismo como um todo e, como resultado, pode contribuir substancialmente para aumentar a compreensão das interações de vários componentes com as redes celulares.
Os Vários Constituintes presentes nas Plantas Medicinais e a importância da sinergia
É rara uma planta medicinal que tem apenas um componente bioativo. Ao contrário, as plantas medicinais comumente contêm numerosas substâncias ativas. Messina et al. salientam que os aleloquímicos de uma única planta pode ter ações complementares e sobreposição de atividades sobre a fisiologia humana, incluindo a alteração na atividade das enzimas de biotransformação, efeitos anti-inflamatórios, a estimulação do sistema imunológico, do metabolismo hormonal e efeitos antimicrobianos.
A planta medicinal Artemísia (Artemisia annua, Asteraceae), origem da droga antimalárica artemisinina, contém constituintes que melhoram os parâmetros farmacocinéticos, assim como pelo menos nove outros compostos que apresentam atividade antimalárica. Alguns dos flavonóides presentes na artemísia parecem potencializar a atividade farmacológica da artemisinina. Duas polimetoxiflavonas, casticina e artemitina, embora inativas contra o protozoário causador da malária Plasmodium spp., mostraram aumentar a atividade de artemisinina contra P. falciparum em ensaios in vitro. Duas flavonas, crisosplenol e crisoplenetina-D, que também mostram fraca atividade inibitória quando testada diretamesnte sobre o crescimento do parasita, tem como alvo a glicoproteína P, uma conhecida bomba responsável pela resistência a múltiplas drogas (MDR - multi-drug resistance), as quais, ao inibirem essa glicoproteína, impedem o efluxo dos inibidores do crescimento do parasita para fora das células Isso provoca uma potencialização do efeito da artemisinina contra malária visto que a resistência do P.falciparum à mefloquina e fármacos com estruturas semelhantes tem como causa a bomba de glicoproteína-P.
O mesmo fenômeno é observado em plantas cujos alcalóides são extraídos. Raramente as plantas com alcalóides limitam a sua produção a um único alcalóide, geralmente produzem uma mistura complexa, freqüentemente com um ou dois alcalóides majoritários, mas muitas vezes produzem dezenas destas substâncias. Por exemplo, a vinca de Madagascar (Catharanthus roseus, Apocynaceae), da qual são extraídas os fármacos contra o câncer, vincristina e vinblastina, apresenta cerca de 100 alcalóides distintos. No entanto, a resistência à vincristina e vinblastina já é um fato conhecido. Pode valer a pena pesquisar se alguns dos componentes de co-ocorrência na vinca poderiam atenuar o desenvolvimento da resistência.
Em Cinchona spp. há pelo menos sete alcalóides, bem como outros grupos fitoquímicos, que contribuem para a atividade antimalárica. Durante a Segunda Guerra Mundial, os militares dos EUA experimentaram como medicamento uma mistura de alcalóides da cinchona chamada totaquina. A totaquina era fácil de produzir, mesmo com cinchona que apresentava baixa concentração de quinino, e poderia era um medicamento relativamente barato. Os militares concluíram que a totaquina era tão eficaz quanto o quinino, encerrando os ataques agudos de malária, mas observaram uma maior freqüência de náuseas e de visão embaçada. Também descobriram que dois alcalóides, cinchonina e cinchonidina, eram menos tóxico do que o quinino.
Um estudo recente, realizado com uma mistura de três alcalóides _ quinina, quinidina, e cinchonina _ demonstraram efeito sinérgico frente uma cultura de P. falciparum. Além disso, cepas do parasita resistentes ao quinino eram até 10 vezes mais suscetíveis à mistura de alcalóides que qualquer um dos alcalóides individuais. É possível que a resistência do parasita pudesse ser, pelo menos, adiada, se não evitada, com o uso adequado de tais misturas terapêuticas.
Vários exemplos deste tipo foram observados ao longo dos últimos 40 anos, seja a resistência dos insetos ao DDT, a resistência bacteriana aos antibióticos, ou a resistência do plasmodium aos antimaláricos cloroquina e mefloquina Assim, a resistência a um único agente terapêutico é previsível. Resistência à mefloquina foi encontrada após 6 anos de uso em áreas onde havia sido amplamente utilizado (Tailândia, Camboja e Vietnã). Por outro lado, pesquisas mostram, em vários modelos experimentais, que o desenvolvimento de resistência dos microorganismos é bastante atenuada pelo uso medicamentos com multi-componentes. Por exemplo, quando a bactéria Helicobacter pylori é exposta ao antibiótico claritromicina por 10 exposições, logo em seguida desenvolve a resistência. Mas, quando esta mesma bactéria é exposta a mesma quantidade de vezes e depois tratada na presença do óleo essencial de capim-limão (Cymbopogon citratus, Poaceae), o qual é composto de pelo menos 23 diferentes terpenóides, sendo 16 com conhecida atividade antimicrobiana, o H. pylori é incapaz de desenvolver resistência.
Embora muitas vezes liderada por testes clínicos, a estratégia de usar vários compostos já é uma realidade na medicina clínica. Coquetéis de drogas têm sido bem sucedidos no tratamento doenças complexas. Cancro, hipertensão e protocolos de tratamento psiquiátrico podem ser planejados para alcançar a máxima eficácia, utilizando simultaneamente várias vias metabólicas, explorando sinergias entre substâncias ativas e minimizando a toxicidade. Além disso, os medicamentos multicomponentes, ou "multitargeting, estão se tornando uma alternativa para o tratamento de doenças infecciosas. Os médicos agora estão usando coquetéis de drogas para compensar a resistência da tuberculose encontrada em várias cidades. Coquetel de terapias para a Aids e, fúngicas, virais e bacterianas sugerem que as abordagens "multialvo" são úteis terapeuticamente. A polifarmácia é cada vez mais aceita como um fator redutor da resistência microbiana.
Bases que apóiam a multiplicidade de composto: evolução e redes biológicas
Produtos naturais são conhecidos como produtos que apresentam grande variedade de estruturas químicas privilegiadas que foram selecionadas por pressões evolutivas para interagir com uma grande variedade de proteínas e alvos biológicos. Do ponto de vista evolutivo, vários compostos presentes nas plantas foram selecionados para permitir que as mesmas sobrevivessem ao seu ambiente natural. Dependendo do modo de atividade, aleloquímicos (compostos vegetais gerados para proteção) devem resistir aos processos metabólicos dos herbívoros para ser eficaz em seu papel de proteger as plantas contra estes agressores. Assim, essas moléculas, uma vez absorvida, normalmente têm atividade em vários sistemas bioquímicos dos herbívoros que as consomem. A seleção natural acabaria por eliminar as plantas que geraram aleloquímicos que não conseguiam proteger as mesmas dos herbívoros. Daí resulta que a fitoquímica em torno desses aleloquímicos deve, por meio da seleção natural, aumentar a absorção para permitir que os estes agentes químicos atingissem seus alvos bioquímicos.
Modelos experimentais demonstram que a co-ocorrência de compostos em plantas medicinais desempenha um papel no aumento da biodisponibilidade e da distribuição de vários fitoquímicos. Por exemplo, a absorção de hipericina, composto antiviral presente no hipérico (Hypericum perforatum, Clusiaceae), é significativamente aumentada na presença dos flavonóides presentes no extrato. Da mesma forma, a artemisinina é absorvida mais rapidamente nos seres humanos a partir do de chá Artemisia annua que dos comprimidos de artemisinina pura. Isto parece ser devido à co-ocorrência de constituintes na planta que favorece a absorção, o que parece gerar essa eficiência na absorção de artemisinina é a presença de constituintes lipofílicos extraídos pela água fervente.
Embora possa ser argumentado que as interações da planta com os humanos selecionaram constituintes usados para repelir e ser potencialmente perigosos para os humanos, há hipóteses que sugerem o contrário. As plantas podem ter selecionado compostos para incentivar os seres humanos se alimentam e nesse processo promover a saúde humana, bem como incentivou a propagação da espécie. Ehrlich e Raven sugeriram, mais de 4 décadas atrás, que o estudo de espécies que interagem uns com os outras tiveram pouco alcance e foram ignorados os aspectos de reciprocidade dessas interações. Desde os trabalhos de Raven e Ehrlich, houve avanços na compreensão das interações entre as espécies e suas teorias corroboram que entre homem e plantas houve uma força evolutiva que influenciou a fisiologia humana. A ótica evolutiva, quando sistematizada de forma lógica, demonstra que compostos isolados não são utilizados para induzir mudanças na fisiologia dos mamíferos. Pelo contrário, a exposição a uma substância química em um momento, a partir de uma escala de tempo evolutivo, é completamente nova para a biologia. Por mais de 200 milhões de anos na evolução da fisiologia dos mamíferos, a ingestão de alimentos e remédios, por meio de plantas, têm sido sempre multi-componentes com misturas de nutrientes e de metabólitos secundários.
Entretanto, mudou-se a ênfase dos estudos passando do nível dos sistemas para o nível molecular, mostrando que a fisiologia celular encontra-se organizada como genes, proteínas e moléculas e pequenas redes intermoleculares. As interações entre estes componentes geram potencial para múltiplas vias, cascatas de sinalização e complexos de proteína gerando interações convergentes, divergentes e redundantes. Neste paradigma, o núcleo de atividade celular é o meio ecológico na saúde e na doença, a qual foi desconsiderada e entendida como caminhos lineares, é agora reconhecida como uma complexa rede interdependente de vias de sinalização, de regulação e de metabolização entre as células: Farmacologia está evoluindo para compreender a função de cada proteína individualmente para entender como as redes de proteínas interagem.
Nos processos fisiopatológicos há inúmeros fatores de agressão e proteínas defeituosas que levam a um desequilíbrio e cada um destes fatores e proteínas oferece vários alvos farmacológicos. Além disso, os sistemas fisiológicos e suas interações mudam dinamicamente na tentativa de combater a doença ou entram em falência. Geralmente há um grande defeito ou um alvo definido para uma determinada doença, mas há proteínas ou mediadores que podem atuar em uma rede paralela. Com isso em mente, o foco em uma única proteína para tratar processos fisiopatológicos pode não ser a melhor abordagem terapêutica.
Modelos mostram que drogas direcionadas a uma única proteína são inúmeras, ignorando o sofisticado sistema de rede envolvido na fisiopatologia. Por exemplo, no tratamento da doença inflamatória intestinal (colo irritável), muitos agentes desenvolvidos visando uma molécula específica demonstram ser insuficientemente eficaz ou totalmente ineficazes. Outro exemplo é o medicamento Iressa (gefitinib), que tem como alvo a proteína EGFR para tratar o câncer de pulmão. Embora este medicamento, que foi projetado para ter alta seletividade para EGFR, tenha uma resposta extraordinária em 10% dos casos tratados com esse produto, 90% dos pacientes com câncer de pulmão mostram uma baixa ou nenhuma resposta.
Por outro lado, medicamentos altamente eficazes, tais como os anti-inflamatórios não esteróides (AINE), salicilato, metformina e mesilato de imatiba, afetam vários alvos farmacológicos simultaneamente. Agoston et al., comparando várias estratégias farmacológicas, descobriu que perturbações parciais em múltiplos alvos específicos em uma rede são geralmente mais eficientes do que a completa inibição de um único alvo. Isto se deve provavelmente aos caminhos redundantes de redes celulares que não são inibidos por um único produto (o mesilato de imatiba foi originalmente planejado para atingir uma única proteína, mas observou-se que atinge vários alvos, mostrando ser a razão para seu sucesso terapêutico).
Assim, o desenvolvimento de fármacos com alta afinidade para um alvo farmacológico, modelo de desenvolvimento que tem dominado a pesquisa farmacológica, não é necessariamente ideal para uma inibição eficiente em uma rede celular. Por outro lado, vários compostos com baixa afinidade, como extratos de plantas, podem provocar alteração significativa em uma rede celular.
Desenvolvimentos tecnológicos recentes (por exemplo, Matrix Assisted Laser Desorption Ionization—Time of Flight, microarranjo de DNA) que facilitam a exploração de caminhos interligados deve melhorar o entendimento de como as redes celulares interagem ao fornecer novas informações, as quais eram inatingíveis com os atuais métodos de investigação sobre processos fisiológicos. Informação sobre a quantidade de proteína, o estado de fosforilação e a concentração de metabólitos estão permitindo o desenho de modelos farmacológicos mais complexos. De grande importância, experimentos "ômicos" capturam o perfil de atividade das redes de celulares por meios da proteômica, genômica e metabolômica. Assim, um momento específico da dinâmica celular pode ser observado uma vez que os produtos naturais são demasiadamente complexos para permitir que os químicos explorem as relações estrutura-atividade, metodologia com as "ómicas" podem oferecer importantes detalhes sobre o modo de ação das plantas medicinais.
Uma união entre os sistemas biológicos, modelos farmacológicos e grupos fitoquímicos pode revelar a estratégia que a natureza utiliza para ativar varias vias simultaneamente, mostrando que a regulação da rede é provavelmente mais segura e eficaz.
A estratégia de modular redes celulares e caminhos interconectados teve papel fundamental para a resistência das plantas que foram selecionadas/adaptadas ao longo de milhões de anos. Ciências médicas podem cada vez mais entender essa abordagem usando modelos de rede de farmacologia, a complexa estratégia de utilizar múltiplos compostos. A perspectiva evolutiva, bem como do ponto de vista da biologia dos sistemas, apóia a idéia de que as matrizes químicas não são apenas criadas para transferir processos fisiológicos, mas pode fazer a interface/comunicação com o sistema celular e complexos sistemas de vida, incluindo os seres humanos.
O tratamento da malária com Plantas Medicinais
Malária, além de ser uma das doenças mais prejudicial provocadas por parasitas em seres humanos, é também a mais prevalente. Dados estatísticos recentes mostram que a malária provoca óbito em cerca de 2,7 a 3 milhões de pessoas por ano, sendo a maioria crianças menores de 5 anos. O Plasmodium spp. apresenta resistência frente a todas as classes de medicamentos antimaláricos, e como resultado, houve uma duplicação dos casos de mortalidade infantil atribuída a essa doença, especialmente na África Oriental e Austral. É preocupante uma vez que a malária é muito comum nas zonas tropicais em comparação com "as zonas de baixa transmissão", cuja probabilidade de uma pessoa ser infectada pelo Plasmodium spp. é inferior a 3 vezes por ano. Por outro lado, em algumas regiões tropicais novos casos de infecções de malária podem ser adquiridas mais de uma vez por dia e pode ser assintomática. Estimativas recentes indicam que cerca de 300 milhões de pessoas no mundo estão infectados com o Plasmodium spp.
Das quatro espécies de parasitas da malária que infectam os seres humanos - P. falciparum, P. vivax, P. ovale, P. malariae - o mais letal é o P. falciparum. Se a malária é causada pelo falciparum e tratada adequadamente, a mortalidade é de apenas 0,1%. No entanto, os parasitas de P.falciparum, especialmente do sudeste da Ásia, são reconhecidos como cepas resistentes e estas cepas produzem uma taxa de mortalidade de 15-20%.
Como era de se esperar, há relatos de resistência in vitro de Plasmodium spp. frente a derivados de artemisina, bem como relatos de reaparecimento dos sintomas da malária depois de remissão temporária em pacientes tratados com derivados da artemisinina. Essa é uma preocupação especial, devido ao aumento da demanda pelos derivados de artemisinina, onde foi estimado um aumento de 22.000 ciclos de tratamento em 2001 para 200 milhões em 2008 .
O custo do tratamento e a renda são variáveis importantes que afetam a escolha do tratamento da malária, contribuindo para a resistência às drogas. A maioria dos países onde a malária é predominante gasta menos de 10 dólares americanos/per capita anualmente em saúde, criando uma situação onde qualquer aumento de 50 centavos de dólares torna o custo de um tratamento proibitivo. Provavelmente, por razões econômicas, o tratamento recomendado para áreas com alta incidência de malária são drogas antimaláricas que estão parcialmente ou totalmente ineficazes. Como resultado do custo e da falta de acesso aos serviços de saúde, preparações de plantas medicinais continuam a ser uma escolha popular para a população rural pobre. Estudos relatam que até 75% dos pacientes com malária na África usam plantas medicinais, enquanto que na Guiana Francesa 33% relatam o uso de fitoterápicos para prevenir doenças febris e malária. Mães na África rural geralmente começam o tratamento da malária de seus filhos com plantas medicinais antes de iniciar o tratamento com medicamentos sintéticos.
O tratamento da malária por parte da população pobre muitas vezes envolve a compra do que se pode pagar e não necessariamente a escolha do tratamento mais eficaz, o que pode contribuir para a resistência às drogas. Assim, pode ser que novos fármacos mais caros (ou mesmo os mais baratos) associados com preparações de plantas medicinais pode reduzir a resistência às drogas. Considerando que as recentes estratégias de tratamento para reduzir o surgimento de resistência são combinações de drogas antimaláricas, uma planta contém vários compostos contra a malária (e plantas antimaláricas têm normalmente dezenas de compostos antimaláricos), então, uma combinação adequada de extratos de plantas medicinais com antimaláricos sintéticos e baratos pode facilitar a eliminação do parasita da malária.
Willcox informou que há 1.277 espécies de plantas distribuídas em 160 famílias que são utilizadas para tratar a malária (destas espécies, cinco foram classificadas como "em perigo", 13 como "vulneráveis", e 3 como "ameaçadas"). No nordeste da Índia, 65 plantas medicinais distribuídas em 38 famílias diferentes foram relatadas para o tratamento de malária, enquanto no Sul do Vietnã foram descritas 46 plantas como utilizadas tradicionalmente para a malária, as quais demonstraram atividade em ensaio in vitro para essa doença. Aproximadamente 64% dos remédios usados na medicina tradicional no Quênia exibiram atividade antimalárica em modelos in vitro. Das 1.277 plantas relatadas por Willcox,74 são utilizadas, sendo que 47 espécies são usadas em 2 continentes e 11 espécies são utilizadas em todos os três continentes tropicais como antitérmicos e antimaláricos. As plantas utilizadas em mais de um continente para o tratamento da malária fornecem indícios fortes para uma pesquisa na busca de antimaláricos eficazes, sejam elas soluções tradicionais de custo baixo ou produtos de alta tecnologia agregada, tais como coquetéis feitos a partir de substâncias isoladas.
Pesquisas mostram importantes atividades de algumas plantas medicinais, tais como Terraplis interretis, a qual demonstrou excelente resposta terapêutica, atingindo a cura. Outra espécie citada é a Cryptolepis sanguinolenta (Asclepiadaceae) que demonstrou a atividade semelhante ao da cloroquina; tendo uma resposta para febre 12 horas mais rápido e diminuindo o índice de parasitas a partir de 24 horas. Bidens pilosa (Asteraceae) mostrou atividade contra cepas do P. falicparum resistentes aos medicamentos antimaláricos em modelos in vitro e in vivo em roedores. Strychnopsis thouarsii (Menispermaceae) parece ser útil para a prevenção da malária, devido à atividade contra a fase hepática do Plasmodium.
Estudos com plantas tradicionalmente utilizadas para o tratamento da malária em diversas partes do mundo mostram atividade inibitória contra ambas as cepas de P.falciparum, tanto as sensíveis quanto as resistentes à cloroquina. Algumas dessas plantas medicinais merecem mais pesquisas, tais como Coscinium fenestra (Menispermaceae), Psidium guajava (Mytraceae), Vangueria infausta (Rubiaceae), Struchium spargano-phorum (Asteraceae), Cinchona succirubra, Tithonia diversifolia (Asteraceae), Cedrela odorata (Meliaceae) e Pycnanthus angolensis (Myristicaceae). Remédios tradicionais do Quênia, dentre os quais Vernonia lasiopus (Asteraceae), Rhamnus prinoides (Rhamnaceae) e Ficus sur (Moraceae), também mostram notável atividade antimalárica. Algumas espécies, como V. brachycalyx e V. lasiopus, mostraram um importante efeito sobre cepas resistentes do Plasmodium do que cepas não resistentes. V lasiopus, que mostrou potencializar a atividade da cloroquina, também apresentou atividade antimalárica similar à da Cinchona.
Apesar do uso predominante de remédios tradicionais para a malária, associados ou não a medicamentos sintéticos, há poucas organizações dedicadas à pesquisa de espécies de plantas medicinais como fonte de remédios caseiros ou mesmo como matéria-prima para novos medicamentos para tratar infecções causadas pelo Plasmodium spp. Entidades conhecidas como Research Initiative on Traditional Antimalarial Methods (RITAM), Doctors for Life, Insect Centre of Insect Physiology and Ecology (ICIPE), Action for Natural Medicines (ANAMED) e Plant Medicine Innovation Group, no entanto, dedicam os seus esforços em questões políticas e econômicas para o financiar o estudo de plantas medicinais e outras questões relacionadas à saúde e à malária. Vários desses pesquisadores acreditam que as plantas medicinais têm o potencial de resolver o problema médico e social de resistência a múltiplas drogas. O trabalho da ANAMED concentra-se na formação de pessoas para o cultivo de A. annua, a qual é depois usada no tratamento da malária na forma de chá, sendo mostrado que essa ação levou a uma redução significativa do número de mortes (K. Lindsey, comunicação pessoal, 30 de abril, 2009). Enquanto alguns médicos estão sugerindo associações de drogas antimaláricas para evitar a resistência do Plasmodium spp, o reconhecido etnobotânico James A. Duke - um veterano em áreas com malária - sugere que o uso de chás ou extratos etanólicos de A. annua, com 9 diferentes compostos antimaláricos, poderá ser tão eficaz quanto o uso de múltiplos medicamentos caros. Segundo Duke, os extratos de A. annua representam um coquetel natural que pode levar à auto-suficiência do tratamento e encontra-se facilmente disponível para as áreas pobres onde as taxas de mortalidade por malária são elevadas.
Embora o reaparecimento do Plasmodium tenha sido um problema em um estudo utilizando chá de A. annua, como mencionado anteriormente, a questão desse agravamento pode ser talvez resolvida por um diferente esquema de administração ou método de extração. Existem estudos positivos, pelo menos em curto prazo, para apoiar o uso do chá de A. annua para o tratamento da malária. Além disso, Willcox relata que estudos chineses, feitos com extratos etanólicos, mostraram resultados melhores do que aqueles estudos realizados com chás. A taxa de agravamento nos ensaios clínicos realizados com o chá de A. annua se deve, provavelmente, a curta meia-vida da artemisinina, o que não resulta na morte do Plasmodium em todas as suas fases e também a curta duração do tratamento nestes estudos. Isto é preocupante porque é um risco de desenvolvimento da resistência. Por outro lado, Ridder et al comenta que o uso tradicional da A. annua na China ocorre a 2.000 anos para febres aparentemente sem o surgimento de resistência. Outra opção para evitar a resistência seja a associação da A. annua com Cinchona, ou outras plantas medicinais, que possuem componentes com uma meia-vida mais longa.
Considerando o número de extratos de plantas que mostram atividade contra o Plasmodium spp. e de pesquisas que sugerem resultados promissores para alguns remédios tradicionais, parece improvável que não haveria mais espécies que poderiam ser estudadas. O fato é que os extratos de plantas medicinais poderiam mudar a relação custo-benefício, reduzindo do patamar de dólares para o de centavos de dólares, e que várias plantas conhecidas como antimaláricas, incluindo a A. annua, cresce em abundância nos climas tropicais equatoriais, alterando significativamente o ônus econômico e social da doença em muitas partes do mundo. Além disso, se forem devidamente planejadas, indústrias artesanais de produção de fitoterápicos para o tratamento da malária e outras doenças podem gerar renda para as comunidades rurais. No entanto, apesar de existirem recursos financeiros suficientes para tal atividade, estes não estão disponíveis para permitir a pesquisa sobre o potencial das plantas medicinais para gerar produtos com baixo custo e que resultem em solução fácil e acessível, mostrando que este potencial pode nunca ser conhecido. Segundo o autor, se as questões econômicas e políticas fossem removidas do labirinto do tratamento da malária, para disponibilizar plantas medicinais e fitoterápicos mais acessíveis e baratos em relação aos produtos sintéticos, estes podem fornecer, pelo menos parcialmente, uma solução para uma das principais causas de mortalidade no mundo.
Oportunidade para empresas farmacêuticas
Infelizmente, a maioria das indústrias multinacionais farmacêuticas reduziu drasticamente ou eliminou a fabricação de fitoterápicos. Basso ressalta que este é um mercado promissor, pois os 35 medicamentos mais vendidos no mundo foram baseados ou inspirados em produtos naturais. Relatórios de Newman mostram que, entre 1981-2002, 74% das drogas aprovadas para tratamento de câncer tiveram como base produtos naturais. Dos 119 compostos químicos extraídos e isolados de plantas para fazer medicamentos alopáticos, 74% têm a mesma indicação ou uso relacionado com as culturas indígenas nas quais foram aplicados os estudos etnobotânicos. Assim, é evidente que, além de proporcionar protótipos para novas drogas, a bioprospecção de produtos naturais através da etnofarmacologia mostra que a medicina ainda depende de plantas e que estas têm muito a oferecer, incluindo o incentivo econômico para as empresas farmacêuticas.
Mas a moderna indústria farmacêutica rompeu a ligação direta entre as plantas, alimentos e clínica durante o século XX em busca da cura das doenças por meio de medicamentos específicos, os denominados "balas de prata". O abandono dos fitoterápicos para a busca de substâncias naturais isoladas ou sintéticas foi acompanhado por uma alta nos custos da produção de novos medicamentos. Tais métodos, tais como high-throughput screening (HTS) são relatados como não tendo um impacto significativo para a descoberta de novas drogas. Buscas aleatórias, através de bibliotecas químicas combinatórias, que geralmente não são baseados em propriedades biologicamente relevantes, somente baseado em uma estimativa, leva a acertos em uma taxa de 1:10.000 (1 molécula para 10.000). Por outro lado, bibliotecas químicas combinatórias baseadas em produtos naturais cujos compostos foram selecionados para a atividade biológica através do processo evolutivo, aumentam a probabilidade de encontrar compostos ativos através do HTS. Portanto, moléculas protótipos, originadas de estudos etnobotânicos, produzem atividade positiva na ordem de 2 a 5 vezes maior do que a seleção aleatória. Tais estatísticas indicam que uma fonte óbvia para a descoberta de novos medicamentos encontra-se em produtos naturais. Parece bastante provável que o aumento do custo para a criação e produção de novas moléculas vai gerar uma lacuna na assistência médica que irá re-conectar plantas e a saúde humana em um novo nível de sofisticação tecnológica.
Dados recentes não apóiam o uso de um único composto no tratamento de doenças infecciosas como a malária e sugere que as combinações de substâncias antimaláricas que apresentam diferentes mecanismos de ação reduzem a chance de resistência do plasmódio. Apesar destas pesquisas, ainda existe um forte viés reducionista dos modelos farmacológicos que são baseados na relação estrutura atividade que levam a realização de estudos de atividade tendo como objetivo avaliar protótipos isolados que se ligam em determinados alvos. No entanto, recentemente alguns grupos de pesquisa estão trabalhando na triagem de compostos que se ligam a vários alvos (receptores) e alguns estão tentando projetar "drogas promíscuas". Mas isso é tecnologia de ponta cuja solução ignora as opções existentes e específicas direcionadas para os extratos de plantas medicinais, que são muitas vezes esquecidos, os quais já contem compostos que se ligam a vários receptores. Se a ciência no século21 quer verdadeiramente avançar para além das drogas que temporariamente curam, mas depois induzem a resistência microbiana, a sociedade, e sobretudo a comunidade científica, deve reconhecer e apoiar ativamente a pesquisa, tanto teórica quanto aplicada, utilizando trabalho em rede, para avaliar a farmacologia dos produtos naturais com vários constituintes e não ficar restritos a produtos com um único componente.
Além disso, as grandes empresas farmacêuticas dedicam seus recursos de pesquisa e desenvolvimento na geração de drogas cujo mercado é o dos países ricos, os países desenvolvidos, assim, ao negligenciar os países mais atingidos pela pobreza, deixam essa população sem medicamentos que poderiam salvar vidas. Mais esforço deve ser feito pela indústria farmacêutica para tratar dos problemas de saúde de áreas atingidas pela pobreza. Felizmente, os recentes trabalhos de organizações não-governamentais (ONGs), entidades sem fins lucrativos e outras entidades não-comerciais têm contribuído para preencher a lacuna de desenvolvimento tecnológico. Além disso, os curandeiros tradicionais, fitoterapeutas modernos, que têm dedicado uma vida de trabalho observando os efeitos de extratos de plantas medicinais em processos patológicos, contribuem para perpetuar o conhecimento dos efeitos de plantas medicinais. Os esforços destes profissionais se destacam muitas vezes, apesar da considerável resistência de grande parte da comunidade médica, bem como do tecido social das nações industrializadas.
Um Chamado à Ação
Avaliações mais abrangentes das plantas medicinais são urgentes, antes que mais espécies vegetais sejam extintas e os conhecimentos específicos da medicina tradicional tornem-se irrecuperáveis. Embora o estudo de uma planta medicinal e seus vários componentes, alguns deles não identificados ou com propriedades desconhecidas, é teoricamente, economicamente e tecnicamente desafiadora, não deve ser abandonado por causa do jogo de interesses na investigação. A pesquisa sobre as propriedades dos componentes presentes nos remédios de plantas medicinais oferece um modelo para uma terapêutica mais complexa. Assim, a questão do uso de remédios de plantas medicinais para aliviar o sofrimento humano não é uma avaliação da eficácia e segurança apenas, mas uma maneira da comunidade médica entender um paradigma farmacológico que abarca a complexidade das redes de biomoléculas.
Alterações nos modos de investigação estão levando a modelos que permitem a observação de várias perturbações das redes biológicas, além de múltiplos alvos. Essa mudança de percepção, juntamente com os mais recentes modelos farmacológicos com base na biologia de sistemas, construção de um paradigma em que os medicamentos multicomponentes, tais como plantas medicinais, são reconhecidos como sofisticados agentes farmacológicos. Além disso, essas soluções para estudar os multi-componentes podem oferecer melhor eficácia e segurança para os produtos isolados.
Implementação de modelos farmacológicos de rede, o qual levaria ao desenvolvimento de agentes terapêuticos mais complexos, podendo resultar em diminuição da resistência antimicrobiana, redução da morbidade infecciosa e menos gastos de saúde. Mas alguns desafios conduzem a terapêutica medicamentosa para o modelo simplista, o que incentiva a busca por "balas de prata". Dentre estes desafios, um número reduzido de métodos analíticos, o qual está sendo resolvido com uma nova geração de ferramentas analíticas de alta tecnologia. Microarranjos de DNA e tecnologias relacionadas tornam-se economicamente viáveis, sendo possível o funcionamento de centenas de matrizes. Esta abordagem exige mais de estatística, matemática, computação. Mas se for bem sucedida, isso poderá gerar formas terapêuticas baseadas em tratamentos específicos e orientações alimentares, resultando em menos sofrimento humano e diminuição dos custos. Um segundo desafio, um confronto de filosofias, está em processo de resolução. Ohno e seus colaboradores sugerem que progressos serão feitos quando todas as partes envolvidas desistir de sua certeza subjetiva e permitir investigações metodologicamente mais relevantes das espécies de plantas medicinais.
Após cem anos de inovação tecnológica, as plantas ainda são a principal fonte de protótipos para compostos farmacologicamente ativos. A Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica ressalta que a evolução vem selecionando e aperfeiçoando diversas moléculas bioativas durante milhões de anos. A evolução da ciência da farmacologia é provável que cresça muito além dos atuais paradigmas de isolamento, seletividade e potência, considerando que levou cerca de 300 milhões de anos de evolução para a planta aperfeiçoar um complexo sistema de defesa químico contra os micróbios e outros predadores. O estudo fitoquímico de defesa oferece uma oportunidade para expandir os conceitos e técnicas da pesquisa de novos medicamentos: podem ser mais bem utilizados, não tão onerosos quando comparados com as "balas de prata" voltados para um único alvo, mas constituído de multi-componente, de amplo espectro, com um coquetel de moléculas que faz interface com as redes celulares. Esta tecnologia natural tem sido aproveitada por culturas tradicionais por muitos séculos.
É um imperativo científico para o progresso da medicina que os métodos testados ao longo dos séculos pela medicina tradicional e as modernas técnicas "hi-tech" se fundam em novos produtos terapêuticos. Ambos os sistemas de saúde, tradicionais e convencionais, procuram aliviar o sofrimento humano, os quais têm o mérito de oferecem opções terapêuticas. Todas as partes devem aprender a "alargar" os princípios farmacológicos, pois além da modelagem simplista e do ganho econômico, a terapêutica deve estar baseada na melhoria da condição humana. Não podemos deixar que o preconceito contra abordagens terapêuticas que são complexos e não totalmente compreendidas impeçam o uso de remédios que salvam vidas. Além disso, onde as espécies de plantas cruzam com a medicina devemos manter um olhar para a preservação das espécies, da sustentabilidade e da ética na interface com as culturas tradicionais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário