Por Ian B. Cole e Michael J. Balick, PhD
No desenvolvimento de novos medicamentos, os investigadores freqüentemente dependem de informações de curandeiros e especialistas tradicionais sobre o uso medicinal das plantas. Há diversos exemplos bem conhecidos, tais como a droga hipotensiva reserpina, oriunda do uso popular da raiz de Rauvolfia serpentina ou o digoxina descoberta a partir do uso da folha de Digitalis purpurea. Assim, o estudo do uso tradicional acarretou no desenvolvimento dos medicamentos alopáticos. Geralmente, as espécies usadas tradicionalmente servem para o desenvolvimento de fitoterápicos a partir de planta inteira ou de suas partes (folha, raiz, etc). Mas os pesquisadores freqüentemente esquecem ou subestimam os métodos utilizados nas práticas tradicionais de cura enquanto procuram identificar as plantas utilizadas nos remédios. A cultura indígena, por exemplo, têm uma ligação íntima com o ambiente ao seu redor e isso reflete na forma de preparação dos remédios, muitas vezes incluindo o conhecimento da sazonalidade que, por sua vez, influencia na potência/resposta terapêutica da planta. Além disso, algumas culturas têm cuidados especiais para plantar, colher, ou colher em certos momentos do dia, ou durante determinadas fases da lua. Poderia, então, a colheita e as regras de preparação, assim como as fases da lua ter influência sobre a composição química e a eficácia dos fitoterápicos? Esta revisão descreve vários casos de influência lunar sobre plantas medicinais e de interesse econômico, baseada tanto no conhecimento tradicional e como na literatura científica.
Práticas tradicionais e atuais relativas à Lua
Em todo o mundo, agricultores, artesãos e curandeiros tem o cuidado de observar as fases da lua, especialmente para o plantio, colheita, ou coleta das plantas. Gaius Plinius Secundus, ou Plínio, o Velho (23-79 dC), foi um conhecido e respeitado naturalista no Império Romano que escreveu Naturalis Historia, o estudo mais abrangente da história natural. Durante a sua vida (ele morreu de repente durante a erupção do Monte. Vesúvio), ele aconselhou os fazendeiros romanos para colher frutas na lua cheia para o mercado, já que pesam mais, e pegar na lua nova para consumo pessoal, onde a fruta teria melhor características para armazenar. Plínio também recomendou que as árvores para madeira deveriam ser cortadas na lua nova. Seguindo esta recomendação, o Rei Luís XIV passou uma ordem real para que durante seu reinado a derrubada de madeira só deveria ocorrer durante a lua minguante (logo após a lua cheia), entre a queda das folhas e do crescimento das mesmas.
As práticas tradicionais para a utilização de madeira ainda existem até hoje na Europa, especialmente nas indústrias artesanais e na produção de produtos especiais, tais como caixas de queijo, barris de vinho, telhas de madeira, chaminés de madeira e madeira para instrumentos musicais. Por exemplo, no oeste da França, uma antiga regra que é mantida até hoje, a qual recomenda que a lenha deve ser cortada na fase lunar oposta à madeira ser utilizada para a construção.
É interessante notar que tais práticas são constantemente encontradas com semelhanças entre culturas ligadas com a natureza em todo o mundo, desde de ilhas e florestas densas e remotas a pequenas aldeias próximas a grandes metrópoles. No meio do Oceano Pacífico, os antigos havaianos acreditavam que os tubérculos (como batata doce [Ipomoea batatas] e taro [Colocasia esculenta]) deveriam ser plantados no terceiro, quarto, quinto ou sexto dia da lua nova para assegurar que os mesmos cresçam na vertical e fortes. Além disso, as plantas medicinais eram geralmente coletadas somente durante La aukkukah , e «La aukulua, ou no terceiro e quarto dias após Hoku, a lua cheia. Ambos os casos sugerem que diferentes processos fisiológicos eram ligadas/marcados a uma observação de grande porte: o ciclo da lua.
Polinésios não estavam sozinhos nestas observações, os maias acreditavam que a lua controlava o fluxo de seiva nas plantas e que a noite direcionava as propriedades curativas da planta para as raízes. Plantas medicinais eram colhidas, portanto, apenas em momentos específicos do dia ou do mês. Tribos de Tla amin (Sliammon), Klahoose e Homalco viveram sob a influencia das 13 luas de seus antepassados, um calendário que controlava todos os aspectos de suas vidas, incluindo a colheita de plantas para alimentos e remédios, bem como atividades culturais e sociais. Um ancião do povo Saanich (Costa Salish) informou que a casca interna de vermelho do amieiro (Alnus rubra) deveria ser colhido apenas na maré alta, quando era "gorda e suculenta", caso contrário, era magra demais. Em Belize, Panamá e Porto Rico, folhas de palmeira e outros recursos naturais colhidos durante ou próximo da lua cheia são mais resistente a insetos e a deterioração do que folhas colhidas "tarde demais" ou fora desse período.
Os índios Ketshua da Bolívia, os descendentes dos incas, fazem arados de Prosopis ferox (Fabaceae). Essas árvores são colhidas somente durante a primeira lua minguante após o início da primavera, antes das celebrações da Páscoa. De acordo com recentes trabalhos etnobotânicos em Kosrae (nos Estados Federados da Micronésia), os anciãos sugeriram que as folhas de Nypa fruticans (Arecaceae) fossem colhidas para a cobertura dos telhados só depois da lua cheia. Se fossem colhidos no momento incorreto, cupins e outros insetos reduziria a vida útil do colmo de 6-10 anos para até 2 anos, uma mudança significativa no tempo de vida útil para materiais de construção. Esta diferença sugere que a as propriedades químicas de Nypa pode mudar drasticamente ao longo de um mês.
Folclore e práticas tradicionais indicam, portanto, que o ciclo da lua influencia em práticas da vida cotidiana, particularmente envolvendo plantas e outros recursos vivos. Eles não demonstram, contudo, como essas forças poderiam influenciar os organismos biológicos, e, especificamente, como elas impactam no perfil fitoquímico das plantas.
Estudos Contemporâneos
Para auxiliar no desenvolvimento de produtos fitoterápicos de alta qualidade, a pesquisa sobre a cronobiologia de plantas tenta compreender as forças que atuam sobre a mesma, os mecanismos que provocam alterações na produção dos fitoquímicos, e como são afetados pela bioritmo das plantas. O bioritmo dos vegetais têm fascinado os cientistas há mais de um século, assim, não devemos nos surpreender com as milhares de lendas e folclore sobre a lua das culturas indígenas através dos milênios. Os primeiros estudos científicos tentaram compreender o comportamento de "dormir" de algumas plantas cujas folhas se dobram contra o tronco à noite e ficam abertas durante o dia. Todos os organismos vivos possuem processos fisiológicos e comportamentais que seguem um bioritmo que envolve um período de cerca de 24 horas. Nos seres humanos e outros mamíferos, um mecanismo de cronometragem interno (muitas vezes chamado de "relógio biológico"), impõe ritmos circadianos em eventos fisiológicos, bioquímicos e moleculares. As plantas, no entanto, são únicas, e seu mecanismo de controle de tempo é externo, especificamente o ambiente, ou seja, a soma de todas as forças agindo constantemente sobre o vegetal.
Cerca de 15 anos atrás, Gunter Klein apresentou pela primeira vez a hipótese de um ritmo exógeno em humanos e mamíferos ao invés do "relógio biológico", e ele estava preparando o seu manuscrito quando morreu. A partir de suas experiências, ele concluiu que os movimentos rítmicos das folhas de mudas de feijão, cultivadas em condições constantes, eram regulados pelas forças de maré influenciadas pela mudança de posição da lua em relação à Terra. Barlow et al. (2008) analisaram o trabalho de Klein e encontraram uma correlação entre os movimentos das folhas e as forças de maré, e em conjunto com novos trabalhos, os dados obtidos corroboram com a hipótese de Klein.
Vários estudos também têm demonstrado variações sazonais, tais como épocas de colheita e os efeitos circadianos sobre a fitoquímica em algumas espécies de plantas que ajudam a desenvolver protocolos para melhorar as práticas de produção, por exemplo, no cultivo de matérias-primas para utilização em fitoterápicos.
O fenômeno da variação sazonal é relativamente bem conhecida em muitos cultivos, especialmente em cultivo de plantas cujos derivados de óleos essenciais são importantes. Muitas espécies mostram aumento rítmico na produção de óleo essencial em todo o período vegetativo, tendo em seguida, um declínio constante com a aproximação do inverno. Um estudo sobre mirtilo (Vaccinium angustifolium), colhidos quinzenalmente no Canadá, relatou variação sazonal significativa na quantidade de compostos fenólicos e efeitos em compostos anti-glicosados. Os autores recomendam, então, o fim do verão como o de bioatividade máximo, bem como o período de coleta ideal.
Pesquisa com o hipérico (Hypericum perforatum, Hypericaceae), um dos dez produtos à base de plantas mais vendidos nos Estados Unidos, mostrou variação sazonal e diferenças devido à localização de cultivo.Os níveis de hipericina e pseudohipericina, os marcadores dos produtos comerciais, mostraram variação de 100 ppm a 5000 ppm do inverno para o verão. Esta notável diferença quantitativa pode explicar algumas das diferenças em produtos comerciais cuja matéria-prima tem múltiplas fontes. Outros estudos com hipérico mostrou uma variação significativa entre as plantas cultivadas e silvestres provenientes de todo o mundo. Apesar de numerosos fatores genéticos, fisiológicos e ambientais contribuírem para o perfil fitoquímico das plantas em geral, o tempo da colheita poder ser um dos fatores mais importantes. Estudos sobre a hortelã (Mentha x piperita, Lamiaceae), planta que cresce em regiões áridas da Califórnia, descobriram que a hora da colheita foi muito mais crítico do que a de irrigação para a qualidade total e rendimento de óleo essencial.
Um estudo sobre a raiz de kudzu (Pueraria lobata, Fabaceae), uma planta da medicina chinesa tradicional, revelou uma variação sazonal na quantidade de isoflavonóides, bem como variação entre outras diferentes substâncias. Este é um achado extremamente valioso considerando que as raízes podem ser cultivadas para a obtenção de substancias especificas, ou gerar variabilidade se produtos são fabricados a partir de matéria-prima colhida em épocas diferentes e padronizadas em um determinado composto, que varia de mês a mês, semana a semana ou mesmo dia a dia.
Embora esses estudos sobre a variação sazonal não indicam necessariamente a lua como a força motriz por trás da produção de óleo essencial e outras alterações fitoquímicas nas plantas, eles mostram que a dinâmica da química da planta é influenciada por vários fatores ambientais e que a Lua pode desempenhar um importante papel .
Além das variações sazonais, também foram relatadas.variações diárias. Estudos sobre a Virola surinamensis (Myristicaceae), uma árvore ameaçada de extinção na América do Sul, que é usada para fins medicinais e econômicos, mostrou flutuações circadianas diárias nos constituintes do óleo essencial obtido das folhas, especificamente, os níveis de monoterpenos diminuiu 50% das 6 ao meio-dia, e depois subiu para seu nível original em torno de 21h. Além disso, a quantidade do sesquiterpeno cariofileno em Virola dobrou em amostras colhidas em outubro em relação às colhidas em junho. Flutuações diárias também foram observados no óleo essencial do manjericão selvagem (Ocimum gratissimum, Lamiaceae), onde os níveis de eugenol reduziu em 98% às 12 horas, enquanto diminui somente em 11% às 17h. Em geral, os óleos essenciais se acumulam ao longo de um período de crescimento, mas são necessárias mais pesquisas para detectar a influencia lunar ou padrões circadianos.
Os ritmos circadianos são também conhecidos por controlar a abertura dos estômatos, a expressão dos genes, a transcrição, o calendário da fotoperiodismo, e para impulsionar o crescimento e desenvolvimento, embora os mecanismos de controle permaneçam desconhecidos. Estudos descobriram que alteração na função circadiana normal em Arabidopsis thaliana (Brassicaceae) provoca redução dos níveis de clorofila, diminuição do crescimento e aumento da mortalidade. Kiota et al. (2006) descobriram que os níveis de antioxidantes nas algas Euglena gracilis (Euglenaceae) e espinafre (Spinacia oleracea, Amaranthaceae) também seguiu o ritmo circadiano, com pico ao meio-dia quando a energia solar é mais forte, protegendo os organismos de fotooxidação. Os compostos importantes em plantas medicinais são metabólitos secundários e acredita-se ter uma conseqüência direta dos estímulos ambientais, tais como patógenos e condições ambientais variáveis. O cultivo comercial de plantas se beneficiarão na gestão de suas práticas ao correlacionar-se com esses ritmos.
Em alguns casos, a lua foi estudada por seus possíveis efeitos sobre as plantas. Zürcher observou as variações rítmicas em Maesopsis eminii (Rhamnaceae), uma espécie de árvore grande, em Ruanda, e encontrou que as taxas de germinação de sementes desta árvore apresentaram diferenças significativas em comparação com sementes plantadas durante a lua cheia ou durante a lua nova. Outro estudo também descobriu que sua velocidade de germinação, taxa de germinação e altura média e taxa de crescimento de mudas apresentaram melhores resultados e mudas maiores quando as sementes foram semeadas antes da lua cheia. O fenômeno do efeito lunar sobre os padrões de germinação e crescimento foram relatadas para várias espécies. No entanto, estes efeitos não foram totalmente compreendidos para plantas medicinais ou foram incorporadas nas práticas de colheita.
Estudos têm revelado que algumas árvores podem inchar com as marés. O físico Gerard Dorda usou uma versão modificada do Efeito Hall Quântico (trabalho no QHE foi agraciado com o Prêmio Nobel de Física em 1985 e 1998) para calcular os efeitos da gravidade da lua sobre a água nos organismos vivos e encontrou uma forma padrão, rítmica e reversível de água nas células. Este padrão apresentou a maior variabilidade durante a lua nova. A interpretação destes efeitos pode ser difícil, segundo o Dr. Dorda: "Eu acho que este efeito não é de fácil compreensão para os alunos de botânica".
Ao invés de tentar compreender a física por trás desse complexo fenômeno, talvez a melhor estratégia é a de identificar os componentes fitoquímicos e a mudança na atividade biológica em resposta aos ciclos lunares. Um estudo recente sobre os abetos (Picea abies, Pinaceae) constatou que volume global manteve-se constante, mas havia um padrão reversível com um fluxo rítmico entre o conteúdo celular e a parede celular provocando encolhimento e inchaço. Mesmo no curto prazo, isso significa mais água se acumulando nas paredes das células em determinadas épocas e pode ter implicações para as culturas alimentares e na tecnologia da madeira já que esta "água ligada" pode afetar a qualidade do produto. Na tecnologia da madeira, os estudos centram-se frequentemente sobre a relação entre a madeira e a água e a data de corte e secagem, os quais afetam a qualidade e a durabilidade do produto final. Estudos com madeira encontraram variações na densidade da madeira após o processo de secagem que pode ser correlacionado com a fase lunar. Curiosamente, essas variações foram mais perceptíveis para o alburno (parte externa e mais nova da madeira), que geralmente consiste de floema e parênquima com células metabolicamente ativas, ao invés de o cerne interior, que geralmente está morto na maturidade.
A planta é um organismo séssil que se adapta às mudanças ambientais através de alterações na sua composição química. As forças que atuam em uma planta são inúmeras e em constante mutação, e as alterações constantes na bioquímica são necessárias para a sobrevivência. Somente estudos etnobotânicos não conseguem lançar luz sobre as mudanças químicas complexas que ocorrem dentro do vegetal. Uma abrangente caracterização química é necessária para observar e compreender os possíveis efeitos das práticas de colheita e dos estímulos ambientais sobre as plantas. Descobertas como essas, juntamente com a caracterização química detalhada, poderá ser benéfica para as práticas modernas de produção, ajudando a definir o melhor momento para plantar e colher.
Baseados em nossa revisão da literatura, os autores deste artigo têm realizado trabalhos para testar a hipótese de que a fase lunar pode influenciar os níveis de bioatividade, presumivelmente através de mudanças na quantidade de compostos químicos. Trabalhando com uma espécie de plantas tropicais, os dados preliminares dos bioensaios mostraram alterações na atividade biológica que se correlaciona com as fases lunares . No momento, estamos repetindo os experimentos com uma amostra de plantas coletadas em diferentes locais.
Conclusão
Através de muitas gerações, culturas tradicionais aprenderam que as práticas de colheita, especialmente o tempo da colheita, podem ter grande impacto sobre as características e a qualidade dos produtos de origem vegetal. A madeira é colhida em épocas diferentes, dependendo se é uma madeira "mole", ou "dura", e dependendo qual a finalidade desta madeira: tornar-se uma chaminé, caixa de queijo, ou um feixe de carga para um edifício. Da mesma forma, os fazendeiros têm relatado o melhor momento para plantar as sementes e para a colheita. Essas práticas melhoram a qualidade dos produtos e aumenta a eficiência das práticas agrícolas e da gestão do processo.
No mundo moderno existem inúmeros desafios na pesquisa de produtos botânicos para desenvolver e melhorar os medicamentos à base de plantas. Perfis fitoquímicos inconsistentes e práticas de gestão baseadas na agricultura comercial de plantas pode, por vezes, tornam difícil a comprovação da eficácia em testes clínicos e o desenvolvimento de novos produtos comerciais. As culturas tradicionais, muitas vezes dão uma atenção especial para a fase lunar, especialmente para a colheita e o plantio, mas estas práticas não têm sido efetivamente aplicados à agricultura moderna ou criticamente analisado pela pesquisa científica contemporânea. Com as ferramentas da química moderna e a orientação da sabedoria antiga, os pesquisadores poderiam analisar e otimizar as práticas de colheita gerando produtos de alta qualidade.
Ian Cole é um associado de pesquisa no Botânico Montgomery Center, em Coral Gables, na Flórida. Michael Balick, PhD, é vice-presidente de ciência botânica e diretor e curador do Instituto de Botânica Econômica do New York Botanical Garden, no Bronx, Nova York.
Fonte: Lunar Influence: Understanding Chemical Variation and Seasonal Impacts on: Botanicals HerbalGram, , nº 85, pag.:50-56, 2010.