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segunda-feira, 2 de julho de 2012


SITUAÇÃO MUNDIAL DOS FITOTERÁPICOS – 2011*
MEDICINA TRADICIONAL: SITUAÇÃO GLOBAL, QUESTÕES E DESAFIOS

 Molly Meri Robinson
Classifications, Terminology and Standards, WHO, Geneva
Xiaorui Zhang
Traditional Medicines, WHO, Geneva

*Este documento foi produzido com o apoio financeiro do Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID), do Reino Unido e do governo dos Países Baixos. As opiniões expressas aqui são de responsabilidade dos autores e não pode, de modo algum, ser considerada a opinião oficial do Departamento de Desenvolvimento Internacional (DFID), do Reino Unido ou do governo dos Países Baixos. Disponível: WHO/EMP/2001.2.3 (Word Health Organization).

1.     INTRODUÇÃO

São reconhecidos como medicamentos fitoterápicos preparados à base de plantas medicinais, contendo como ingredientes ativos diferentes partes das plantas (raiz, casca, folha, etc) e suas combinações de diferentes espécies vegetais e, em alguns países, estes medicamentos podem também usar partes de animais e/ou minerais. Os fitoterápicos são usados ​​em todos os países do mundo, e tem sido utilizados para apoiar, promover, manter e recuperar a saúde humana por milênios. A medicina tradicional chinesa (MTC), por exemplo, é um sistema médico completamente específico (racionalidade médica) utilizado em paralelo à medicina alopática, o qual é usado com sucesso para diagnosticar, tratar e prevenir a doença por mais de 2500 anos. Remédios de origem vegetal (produtos) integram a principal ferramenta da medicina tradicional, que inclui também procedimentos e praticantes, bem como outros insumos.
Apesar da relevância e do uso contínuo dos serviços médicos tradicionais e de seus produtos ao longo de vários séculos, a história da regulamentação do uso da medicina tradicional é relativamente recente. Em muitos países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, os produtos da medicina tradicional ainda não são oficialmente reconhecidos pelo sistemas de saúde. Ainda que várias organizações nacionais e regionais criassem modelos sugerindo como lidar com este desafio, os sistemas regulatórios para medicamentos tradicionais (fitoterápicos) precisam ser amplamente adotados. Os países que tomaram medidas para regular a produção e uso de tais produtos incluem Brasil, China, Dinamarca, Gana, Japão, Noruega, República da Coréia e Arábia Saudita. A União Europeia também desenvolve métodos para regular a qualidade dos medicamentos tradicionais e os mecanismos para registrá-los.
Estima-se que pelo menos 25% de todos os medicamentos modernos são derivados, diretamente ou indiretamente, de plantas medicinais, principalmente através da aplicação das modernas tecnologias para avaliação do conhecimento tradicional (bioprospecção). No caso de certas classes de produtos farmacêuticos, tais como medicamentos antitumorais e antimicrobianos, esta percentagem alcança 60%. Por exemplo, em 1971, experiências laboratoriais mostraram, em modelo experimental para a malária, atividade dos extratos da planta Artemisia annua contra Plasmodium berghei. Esta descoberta, desde então, revolucionou o tratamento da malária em todo o mundo, mas com pouco reconhecimento para os praticantes de medicina tradicional da região da África onde a população usa a Artemisia spp. durante séculos com essa finalidade, mas que não dispunha da tecnologia ou financiamento para comprovar sua eficácia contra a malária pelas atuais metodologias de pesquisa biomédica.

           2. SITUAÇÃO ATUAL

2.1. CENÁRIO MUNDIAL

Entre 70% e 95% da população dos países em desenvolvimento, especialmente na Ásia, África, América Latina e no Oriente Médio, utiliza a medicina tradicional, incluindo plantas medicinais e fitoterápicos, na atenção primária saúde para suprir às necessidades de cuidados com a saúde. Em alguns países industrializados, como por exemplo Canadá, França, Alemanha e Itália, o uso de fitoterápicos é igualmente significativo, atingindo entre 70% e 90% de suas populações, os quais recebem a denominação de "complementar", "alternativo", ou "não convencional". Esse dado não é surpreendente uma vez que até meados do século 20 os medicamentos tradicionais eram os únicos medicamentos disponíveis, sendo paulatinamente introduzidos os chamados "medicamentos modernos" (começando com a produção comercial da penicilina em 1943). A Figura 1.1 mostra o amplo uso da medicina tradicional em vários países do mundo.


Figura 1.1. Uso da medicina tradicional no mundo.

Os fitoterápicos sempre tiveram papel chave na saúde mundial e continuam sendo usados para tratar uma vasta gama de condições e queixas. Levantamento realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio do programa Roll Back Malaria mostrou que em Gana, Mali, Nigéria e Zâmbia aproximadamente 60% dos casos febris em crianças, provavelmente devido à malária, são tratados em casa com remédios caseiros de plantas medicinais. Informações compiladas pela UNAIDS revelou que aproximadamente dois terços dos pacientes HIV/AIDS de vários países em desenvolvimento buscam alívio sintomático e usam produtos naturais para controlar infecções oportunistas . TM/CAM também é comumente usada nas cidades de São Francisco e Londres, bem como na maior parte da África do Sul, onde 75-78% das pessoas vivendo com HIV/AIDS usam essas práticas de saúde (1,6). Outras condições comumente tratadas com medicamentos tradicionais incluem doenças digestivas ou intestinais, anemia falciforme, hipertensão, colesterol alto, dores de cabeça, insônia, diarréia, infecções microbianas, bronquite, diabetes, queimaduras, erupções e menopausa. No Brasil, pesquisa mostra que 89% dos pacientes diagnosticados com câncer fazem uso da  TM/CAM para tratar suas patologias.
Amplia-se cada vez mais a aceitação pelos gestores do uso, em determinadas condições, da medicina tradicional e de plantas medicinais. Em alguns países, a medicina tradicional já foi reconhecida como uma forma de ampliar os cuidados em saúde. Em 2007, estudo mostrou que 110 dos 193 Estados Membros da OMS aprovaram marcos legais que reconhecem o uso da medicina tradicional e criaram parâmetros quanto à regulamentação e/ou registro de medicamentos tradicionais, em comparação quando, em 1986, somente 15 afirmaram reconhecer a medicina tradicional  (Figura 1.2 ).



Figura 1.2. Países membros que reconhecem o uso da medicina tradicional

1.2.2. REGULAMENTAÇÃO/REGISTRO DE MEDICAMENTOS TRADICIONAIS


Medicamentos tradicionais são caracterizados de maneiras diferentes nas diversas jurisdições ao redor do mundo. Entretanto, na maioria dos países é comumente vendido sob prescrição médica ou de venda livre, com também pode ser usado como remédio caseiro, como suplementos dietéticos, alimentos funcionais ou por algum outro título. Os canadenses, por exemplo, freqüentemente usam o termo "medicamento tradicional" para identificar cujos produtos são comercializados sob a bandeira de medicamentos tradicionais, medicamentos fitoterápicos, suplementos de plantas medicinais. O leque de classificação para as preparações de plantas medicinais é habilmente ilustrado pelo exemplo do alho (quadro abaixo).

A diversidade de classificação dos medicamentos tradicionais significa que os mesmos estão sujeitos a diferentes níveis de regulamentação. Em algumas situações, e dependendo do nível de sofisticação do quadro regulamentar, uma única planta medicinal pode ser simultaneamente definida e regulamentada em diversos instrumentos normativos. Algumas destas categorias de regulação pode ser visto na Figura 1.3, cuja diversidade é explicada em função dos diversos regulamentos adotados por cada país. De acordo com inquérito realizado pela OMS em 2001, 57 países têm atualmente normas em vigor que exigem dos fitoterápicos as mesmas regras que avaliam a segurança e eficácia dos medicamentos convencionais, enquanto outros 82 listam requisitos que precisam ser cumpridos pelos medicamentos fitoterápicos, os quais atendem uma legislação diferente dos “convencionais”. E 73 países aplicam as mesmas regras tanto para os fitoterápicos quanto para os sintéticos, enquanto que 28 países relataram que não têm requisitos definidos que regem a fabricação de fitoterápicos. A variedade de níveis, para que os fitoterápicos sejam integrados na cultura farmacêutica de cada país serve para destacar a diversidade de entendimento cultural e as prioridades sanitárias entre os países.


Figura 1.3. Diversidade de classificação dos fitoterápicos, conforme legislação de cada país.
Portanto, fica evidente que os regulamentos aplicados na produção e utilização dos fitoterápicos variam enormente entre os Estados-Membros da OMS. Assim, os representantes de mais de 120 Estados-Membros da OMS solicitaram a criação de um banco de dados e a constituição de uma rede para partilhar informações sobre questões regulatórias. Essa demanda provocou a criação, em 2006, de uma coordenação internacional denominada de International Regulatory Cooperation for Herbal Medicine (IRCH), coordenado pela OMS. A missão da IRCH é proteger e promover a saúde pública e a segurança dos produtos fitoterápicos através de melhor regulação destes produtos. Atualmente, a associação de IRCH consiste em 22 países e três grupos regional/sub-regional.

1.2.3. IMPORTÂNCIA ECONÔMICA

Em função da diversidade de conceitos e de regulamentos para os medicamentos tradicionais torna-se difícil atribuir um número preciso sobre o valor econômico de tais produtos. Os dados disponíveis são considerados como representantes do real impacto econômico deste ramo do mercado de saúde. Ainda, nota-se que o mercado global de produtos fitoterápicos tem se expandido significativamente na última década devido o crescimento da utilização, produção e comércio. Estimativas do mercado sugerem que a taxa de crescimento para produtos fitoterápicos nos últimos anos equivale a algo entre 5% e 18% ao ano.
As recentes tendências do mercado de medicamentos fitoterápicos avaliada, em vendas anuais, numa amostra de nove países, a qual representa as diversas regiões do mundo e vários de níveis de renda, são mostradas na Figura 1.4. A partir dessa avaliação pode-se ver que, entre 1999 e 2001, somente o valor de venda de medicamentos fitoterápicos neste grupo de países aumentou mais de 40%. Na ausência de outra informação, no entanto, é difícil de colocar estes dados no contexto histórico e avaliar qual a percentagem está relacionada com o aumento dos custos associados com a comercialização.


Figura 1.4. Crescimento do mercado de fitoterápicos

Na China, preparações contendo plantas medicinais constituem entre 30% e 50% do consumo total de medicamentos, o qual equivale a um valor de vendas de 14 bilhões US$ em 2005 (mais de 28% em relação ao ano anterior). No Japão, os gastos com medicamentos tradicionais (conhecido como Kampo – Medicina Tradicional Japonesa), em 2006, chegou a pouco mais de 1 bilhão US$, enquanto no período de junho de 2004-2005, os australianos gastaram um total de 1.860 milhões US$ em fitoterápicos. No Reino Unido e no Brasil, as despesas em 2007 foram relativamente menores, de apenas 230 milhões US$ e de 160 milhões US$, respectivamente. Entre as nações européias, o valor das vendas no mercado de medicamentos fitoterápicos, em 2003, foi estimada 5 bilhões US$ (ver Figura 1.5), o que também é uma sub-representação já que o total foi baseada nos preços dos fabricantes aos atacadistas, e, como tal não reflete o custo real para o usuário final. Além disso, as estatísticas referem-se apenas aos medicamentos fitoterápicos e não incluem outros medicamentos tradicionais, que contenham animais ou produtos minerais (28).


Figura 1.5. Mercado global de fitoterápicos

1.2.4. O TRABALHO DA OMS

O impacto dos medicamentos tradicionais nos setores econômico e de saúde foi resultado de uma demanda do público por maior credibilidade no mercado destes produtos. Os consumidores querem que os mesmos cumpram os critérios regulatórios ​​para serem considerados seguros e eficazes. Isto aumentou o interesse das autoridades de saúde em pesquisas, regulamentação do comércio internacional e na comercialização de medicamentos tradicionais.
Apesar dos desafios, progressos consideráveis ​​foram alcançados nos últimos anos a nível nacional, regional e internacional para criar quadros institucionais e marcos regulatórios necessários para permitir o registro, a pesquisa e a produção de medicamentos fitoterápicos. No entanto, muitos países continuam procurando assistência técnica para produção e distribuição de medicamentos fitoterápicos de qualidade que atendam os níveis aceitáveis ​​de eficácia e segurança. Para este fim, a OMS produziu vários documentos destinados a auxiliar os diversos governos, os quais orientam sobre metodologias de pesquisa e avaliação, boas práticas agrícolas, boas práticas de fabricação (BPF) e sobre o papel do farmacêutico na medicina tradicional. As boas práticas agrícolas servem para assegurar que as matérias-primas cultivadas para os fitoterápicos tenham a qualidade assegurada, enquanto a BPF fornece orientação sobre como converter a matéria-prima de qualidade em medicamentos. Alguns escritórios regionais, incluindo os Africano, do Mediterrâneo Oriental e do Sudeste da Ásia, regiões que também produziram orientações regionais para regulamentação e registro de medicamentos tradicionais, bem como exigências para a comercialização.
A OMS continua a monitorar o status dos medicamentos tradicionais ao redor do mundo através de inquéritos regulares e outras formas de coleta de dados. As informações recolhidas formam a base de várias revisões importantes, incluindo revisão do estatuto jurídico do TM/CAM em todo o mundo e uma pesquisa global sobre a política nacional TM/CAM. Os resultados destes inquéritos têm sido utilizados para elaborar a estratégia da OMS para a medicina tradicional.
O documento Estratégia Global da OMS para a Medicina Tradicional será atualizado, e um segundo inquérito global está sendo realizado para apoiar a elaboração do mesmo. Este e outros trabalhos culminou, em 2009, com a resolução da Assembléia Mundial de Saúde em Medicina Tradicional (WHA 62.13), a qual recomenda os governos  a respeitar, preservar e comunicar amplamente o conhecimento da medicina tradicional, sugerindo a formulação de políticas e regulamentos nacionais para promover o uso adequado, seguro e eficaz tendo como base a investigação e inovação para permitir a inclusão da medicina tradicional nos seus sistemas nacionais de saúde. WHA 62.13 também insta os Estados-Membros a cooperar uns com os outros e compartilhar conhecimentos, enquanto trabalha a nível global para fortalecer a comunicação entre os profissionais convencionais e tradicionais.

1.3. FUTUROS DESAFIOS E PRIORIDADES

É perigosamente falsa a idéia de que só porque os produtos da medicina tradicional provêm de fontes naturais são seguros. Nem tudo que é natural é seguro/atóxico, os produtos da medicina tradicional deve ser utilizado criteriosamente como indicado, assim como qualquer outro medicamento, e consciente da possibilidade de potenciais interações entre as diversas drogas vegetais e medicamentos sintéticos. Os riscos são relativamente baixos quando os fitoterápicos são usados ​​corretamente, mas existem e a compreensão do consumidor é geralmente pouca. Por exemplo, uma pesquisa realizada com a população na Austrália constatou que menos da metade (46,6%) dos usuários da fitoterapia sequer sabiam que poderia haver riscos potenciais associados ao uso do produto.
A maioria dos efeitos colaterais relatados associados com o uso de fitoterápicos são extrínsecos ao produto em si, ou seja, são oriundos de erros de identificação de plantas, de práticas de fabricação inadequadas e da falta de padronização do produto, de contaminação microbiológica, de substituição ou preparações incorretas ou dosagem dos produtos. Além disso, os produtos fitoterápicos são mais propensos a serem afetados por fatores ambientais tais como luz, temperatura, qualidade do solo, período e época da colheita e idade da. Estes fatores, e outros, afetam os processos de produção dos fitoterápicos, os quais devem ser produzidos em quantidades suficientes tanto para uso como para fins de teste/avaliação.
A definição dos métodos de controle da qualidade na fabricação dos fitoterápicos, associado à falta da completa compreensão sobre os princípios ativos e seus mecanismos de ação, são fatores que até o momento dificultam o uso dos mesmos. Pesquisa sobre segurança e eficácia é de primordial importância para o desenvolvimento contínuo dos fitoterápicos. Ainda, um produto pode conter várias drogas vegetais e, potencialmente, centenas de constituintes químicos, alguns dos quais estão presentes em concentrações muito baixas; estes fatores contribuem para tornar a investigação laboratorial mais dificil e cara. Frequentemente, a ação sinérgica dos diversos constituintes é considerada crucial para o efeito terapêutico ótimo, mesmo se a combinação é apenas empiricamente conhecida. Para testar cada constituinte químico de forma isolada (independente), bem como em todas as combinações possíveis, é impraticável, devido à quantidade de tempo que seria necessário para completar essa tarefa.
O desenvolvimento de medicamentos sintéticos (contendo uma única entidade química) normalmente demora uma média de 12 anos, desde a descoberta até o produto acabado, e custa centenas de milhões de dólares. O fitoterápico, com sua complexidade química, pode demorar muito mais tempo e custar muito mais para pesquisar e desenvolver plenamente. No caso dos sintéticos, o dinheiro gasto em pesquisa e desenvolvimento é recuperada quando o produto é patenteado e entra no mercado. As plantas, contudo, não podem ser patenteadas - não se pode ter os direitos de propriedade sobre uma árvore ou uma flor, e não há maneira de impedir que uma outra pessoa cultive a mesma planta para fins medicinais. Na prática, isso significa que o dinheiro gasto na análise e padronização de um medicamento fitoterápico não pode ser recuperado através da venda do produto. Deste modo, as indústrias farmacêuticas são relutantes em investir quando o retorno financeiro é limitado ou mesmo inexistente.
Desenvolvimento de metodologias para a identificação inequívoca dos constituintes de cada produto (mas não necessariamente a composição química de cada um destes componentes), juntamente com documentação sobre o papel das sinergias existentes, é o primeiro passo crítico para a realização do controle da qualidade. Este também é um pré-requisito para as avaliações farmacológicas e clínicas. Um segundo passo será padronizar o crescimento, a colheita e beneficiamento das matérias-primas utilizadas na produção de fitoterápicos.
Estes, juntamente com o estabelecimento de especificações e padrões apropriados, servirão de base para a padronização, definição dos métodos de controle da qualidade e a verificação da segurança. A criação ou expansão de um sistema de farmacovigilancia  para a avaliação do potencial de toxicidade e das interações será o próximo passo neste processo para garantir a qualidade e segurança.
Concomitante com os esforços para criar produtos com qualidade, seguros e eficazes, os países devem formular normas nacionais, políticas e marcos legais que regulamentem a produção e a utilização de fitoterápicos, os quais são necessários para promover e manter boas práticas entre os produtores e profissionais devidamente habilitados para benefício da população. A elaboração por diversos países de marcos legais para a medicina tradicional (políticas, mecanismos de partilha de informações e conhecimentos, bem como a elaboração de guias de implantação) facilitará esse processo, dando mais consistência e elevando a padrões internacionais. Tais movimentos também irão facilitar o comércio internacional de produtos oriundos da medicina tradicional através da criação de um conjunto de critérios aceitáveis ​​a nível mundial.
Para avançarmos há várias coisas que podem ser feitas. Embora seja reconhecido que todos os medicamentos tradicionais precisem ser objeto de avaliação de segurança, eficácia terapêutica, controle de qualidade e de farmacovigilância, de acordo com critérios estabelecidos, devemos, na realização de tais avaliações, reconhecer e valorizar o uso histórico destes produtos. Deve-se ter cuidado para colocar o peso correto em cada um dos métodos primários para avaliar a eficácia - a história do uso a longo prazo, a documentação do conhecimento atualmente disponível e novas pesquisas e ensaios clínicos de segurança e eficácia. Apesar da falta de um extenso estudo laboratorial padronizado para muitos fitoterápicos existe uma longa história de observações, testes de campo e ensaios clínicos em seres humanos. Essa história de uso devem ser incluídos quando se considera a base de evidências para o uso de fitoterápicos, o uso prolongado e aparentemente sem intercorrências de uma substância pode completar a avaliação da segurança e, potencialmente, aumentar o peso das alegações de eficácia quando relacionados ao uso tradicional. Por exemplo, legislação da União Européia, aprovada em 2004, permite o registro de medicamentos tradicionais, se, entre outros critérios, quando há dados suficientes sobre a utilização tradicional para mostrar que eles são razoavelmente seguros, que os efeitos terapêuticos são plausíveis, e que têm sido utilizadas medicinalmente por pelo menos 30 anos, incluindo pelo menos 15 anos nos países membros da Comunidade Europeia.
Enquanto todo esse desenvolvimento acontece, é importante preservar o conhecimento histórico, juntamente com os dados recém-adquiridos. Isso pode ser feito melhor por meio da criação de um banco de dados global de informação sobre o uso da medicina tradicional. Isto irá consolidar as pesquisas existentes para determinar melhor as necessidades prioritárias para o futuro. Esta base de dados também deve incluir a documentação do conhecimento dos curandeiros tradicionais, respeitando os direitos de propriedade intelectual.
Estes desafios, ao mesmo tempo que intimidam, não são insuperáveis​​. Embora o desenvolvimento de fitoterápicos exigirá uma legislação nacional, o enorme impacto econômico, e o apoio maciço do público para esses produtos, garantirá o foco contínuo na investigação e no desenvolvimento de fitoterápicos no futuro.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Avaliação das Interações Farmacocinéticas entre Fitoterápicos e Fármacos é Dificultada pela Complexidade e pelas Variações Químicas dos Produtos Naturais

Como a fitoterapia é cada vez mais utilizada no mundo para o tratamento de várias doenças, deve-se ampliar os estudos sobre a qualidade, a segurança e a eficácia dos fitoterápicos. São utilizados os mesmos critérios dos alopáticos para avaliar estes parâmetros nos fitoterápicos, ou seja, a biodisponibilidade, as vias metabólicas de eliminação, os processos cinéticos e as interações medicamentosas. No entanto, outros desafios estão associados à pesquisa em fitoterapia já que os produtos fitoterápicos são complexos na composição química assim como são comumente consumidos como misturas de drogas vegetais, ampliando ainda mais a complexidade química e as interações, em oposição aos medicamentos com entidade química definida (alopáticos). Além disso, os fitoterápicos são freqüentemente administrados com os alopáticos. Por isso, já existem vários casos demonstrando interações medicamentosas com fitoterápicos. Este artigo discute alguns desafios a partir do atual estado da arte da investigação dessas interações.
O metabolismo dos fitoterápicos pode ocorrer por diversos mecanismos. A microflora intestinal afeta o metabolismo através da remoção de açúcares dos compostos glicosídicos e hidrolisam outros. Sabe-se, assim, que o ambiente intestinal pode variar muito entre os indivíduos, levando à especificidade dessas interações a nível individual. Entretanto, há dois fatores mais importantes para o metabolismo, tanto dos fitoterápicos como dos alopáticos, que são as enzimas das famílias do citocromo P450 (CYP) e da uridina difosfato (UDP) e da glucuronosil transferase (UGT). As enzimas da família da CYP são encontradas principalmente no fígado e no trato gastrointestinal e realizam reações de oxidação e de redução (Fase I). As enzimas UGT, encontradas em todo organismo, realizam, principalmente, reações de glucuronidação, reação classificada como de conjugação (Fase II), a qual é responsável pela preparação dos compostos destinados a eliminação (incluindo a Fase II de desintoxicação no fígado). A alteração da atividade das enzimas do CYP e da UGT por fitoterápicos é o mecanismo farmacocinético mais comum de interação medicamentosa entre fitoterápicos e alopáticos, o qual pode resultar em alterações nas respostas terapêuticas desses últimos devido a mudanças nas taxas de absorção, de distribuição, de metabolização e de eliminação (ADME). Interferência na atividade da CYP pode ser um processo relativamente rápido, resultando na redução da atividade dessa enzima, o que provoca um processo de eliminação mais lento. É comumente relatado que as interações medicamentosas resultem da inibição ou da indução da CYP ou da atividade da UGT. Embora seja demonstrado que vários bioativos de plantas sejam metabolizados pelas UGTs, sugere-se que as interações por meio destas enzimas sejam menos importantes do que as que envolvem as CYPs.
Tanto metodologias in vitro como in vivo são usadas nos estudos de fitoterápicos. Os ensaios in vitro são usados para avaliar os mecanismos em determinadas células ou tecidos, cujos resultados geralmente não se reproduzem ou os mesmos não podem ser extrapolados para o modelo in vivo devido à complexidade e à diversidade química dos bioativos contidos nos fitoterápicos já que a taxa ADME de cada constituinte é variável.
As investigações in vivo são úteis na identificação de possíveis problemas em relação à segurança ou à eficácia, entretanto, não se pode garantir que o resultado obtido dos estudos em animais possa ser verificado em humanos devido às diferenças metabólicas entre as espécies. Além disso, estudos clínicos em humanos são caros e por isso raro em estudos desse tipo. Outros desafios incluem a variação nos perfis de bioativos devido a diferentes períodos de colheita, métodos de preparação ou da sua própria estabilidade química, por isso, é aconselhável investigar os efeitos dos fitoterápicos nos métodos in vivo para inferir a ação da totalidade dos bioativos presente na droga vegetal.
Para detectar a inibição da CYP, métodos in vitro são usados, tais como os de fluorescência, luminescência, radiométrica e cromatografia líquida acoplada a espectometria de massa (LC-MS/MS). Apesar das vantagens dos outros métodos, a LC-MS/MS permite a análise de amostras combinadas. A inibição tempo-dependente é importante para avaliar a CYP, sendo usadas para isso culturas de microssomas hepáticas humanos. Linhagens de células imortais também são empregadas para medir a indução da CYP já que fornecem múltiplas vias celulares, são fáceis de manter em cultura e tem respostas repetidas em experimentos. No entanto, apresentam como limitações a perda de algumas características, tais como menor atividade enzimática ou expressão quando comparadas com células humanas normais in situ. Para medir a inibição da UGT são utilizadas microssomas de fígado humano com radiofluorescência e métodos cromatográficos. Linhagens de células imortais bem como hepatócitos humanos são utilizadas para detectar a indução da UGT, mas estudar as especificidades das isoformas de UGT ainda é um desafio.
Este artigo discute dois fitoterápicos amplamente estudados por interagir com outros agentes terapêuticos. Os extratos das folhas de Ginkgo biloba (GBE), o qual inibe a CYP em ratos, resultando em maior biodiponibilidade de diltiazem (medicamento usado para o tratamento da hipertensão). Outro estudo confirmou esta atividade in vitro. O GBE também alterou os efeitos da tolbutamida (usada para o tratamento da diabete) e do midazolam (usado para induzir o sono) em humanos, provavelmente por induzir a CYP2C9 e inibir a CYP3A4. No entanto, estudos sobre GBE e a CYP3A4 são conflitantes, não mostrando nenhum efeito sobre o midazolam, enquanto outros estudos mostram a indução do metabolismo do alprazolam. Pesquisa também mostrou que o GBE aumenta a atividade de CYP1A2 em ratos.
O hipérico (Hypericum perforatum) é amplamente conhecido por reduzir a biodisponibilidade de vários medicamentos por meio da indução da CYP3A4. Além disso, estudo in vivo mostrou que o hipérico diminui a biodisponibilidade do talinolol (bloqueador do receptor β-adrenérgico) através da indução da glicoproteína P. Pesquisa que avaliou o efeito do hipérico sobre a CYP3A4 e a glicoproteína P, importantes para o metabolismo da ciclosporina (usada no tratamento de transplantados), descobrindo que um extrato de hipérico com alta concentração de hiperforina reduz a atividade desse medicamento, enquanto extrato com baixa concentração desse bioativo não diminui. Estes resultados sugerem que a hiperforina presente no hipérico pode ser a indutora da CYP3A4 e da glicoproteína P, provavelmente através da ativação do receptor pregnano X(PRX), conforme mostrado em outros estudos.
Os autores afirmam que é fundamental conhecer o máximo possível sobre a eficácia e a toxicidade dos fitoterápicos, o que inclui o potencial para interações com diversos agentes terapêuticos. São definidos métodos para estudar os efeitos sobre as enzimas responsáveis pelo metabolismo dos medicamentos.  Este artigo descreve o atual estado da arte e a evolução do conhecimento sobre as interações dos fitoterápicos, ficando claro que são necessários mais estudos sobre os produtos mais usados em relação às principais enzimas envolvidas no metabolismo de medicamentos. Além disso, investigar o potencial das interações dos diferentes tipos de fitoterápicos com a CYP e a UGT ainda precisará de longo tempo para avaliação dos seus componentes ativos, mecanismos de segurança e os cuidados no uso.

Fonte:
Amy C. Keller
http://cms.herbalgram.org/herbclip/442/011261-442.html
Na DH, Ji HY, Park EJ, Kim MS, Liu K-H, Lee HS. Evaluation of metabolism-mediated herb-drug interactions. Arch Pharm Res. November 2011;34(11):1829-1842.